A ÁRVORE QUE RESPIRA
Teresa Castro

As árvores, sabemos bem, são seres vivos que realizam permanentemente trocas gasosas absorvendo o oxigênio e exalando dióxido de carbono na atmosfera. Mas o que nos mostra Katia Maciel em seu vídeo Uma árvore não é uma árvore como as outras: seus ramos se contraem e relaxam em loop, à semelhança de um imenso coração a bater.

Ela surge, então, diante de nossos olhos como um imponente ser animado, atravessada por um sopro vital que a anima por dentro. 
 Nisso, a árvore da obra de Katia se distingue daquelas de outros trabalhos que podemos encontrar igualmente fascinados pela majestade das árvores, como o filme Nettlecombe (2008), da artista britânica Sarah Dobai, ou a obra sobre seis telas Horizontal (2011), da finlandesa Eija-Liisa Ahtila. Nestes dois casos, as árvores são animadas de fora pelo sopro descontínuo e emocionado do vento. Se essas instalações repetem a fascinação do espectador primitivo diante da visão (e a escuta) do tremular das suas folhas,1 essas árvores não sugerem, no entanto, a ficção do automovimento que ocorre no vídeo de Katia. Essa ficção é o que poderíamos chamar uma ficção de imagem, na medida em que a animação depende inteiramente dos recursos expressivos próprios das imagens — em particular as imagens em movimento. O vídeo se apoia na criação de uma imagem híbrida, constituída de uma camada imóvel — imagem fixa sobre a qual se destaca uma árvore respirando — e de uma camada móvel — imagem em movimento, ao mesmo tempo reversível e extensível na duração (é o princípio do loop, recorrente no trabalho da artista). Assim, Uma árvore não se baseia na animação do imóvel, mas sobre a incorporação do movimento na imagem fixa, como se a imobilidade não fosse senão a ausência virtual do movimento. Nesse sentido, o vídeo de Katia Maciel é um verdadeiro lugar de passagem entre a mobilidade e a fixidez, criando uma temporalidade que a própria artista descreve como “paradoxal” (cf. conversa com Raymond Bellour).

A questão do “automovimento” é essencial aqui. Ela evoca, primeiramente, o antigo debate sobre o movimento autônomo ou externo, debate que remonta à filosofia antiga. De fato, tanto os estoicos como Aristóteles, por exemplo, se questionaram sobre os tipos de movimento na natureza, distinguindo globalmente entre os seres movidos do exterior e os seres que podem se movimentar por si mesmos (estes últimos incluem várias distinções). Se as plantas testemunham o movimento a partir de si mesmas (pensemos no seu crescimento e na sua reprodução), a expressão automovimento se refere a um fenômeno — o sopro vital da árvore — que não é da ordem do movimento autônomo clássico. Ao contrário: o automovimento se refere mais ao surpreendente sopro vital que parece animar a árvore e lhe conceder uma “alma”. Além disso, a etimologia da palavra “animismo” é eloquente, na medida em que ela reenvia a anima latina e o anemos grego, cujo sentido primeiro é aquele do sopro, do vento (a respiração). Se a alma das plantas encontra-se hoje em dia em voga — quer como “alma nutritiva” no sentido aristotélico, quer graças ao que revelam os filmes científicos dos anos 1920 —, a antropologia contemporânea, em sua dupla reviravolta “animista” (quer dizer, atenta ao modo como os fenômenos vitais são objeto de categorizações e de ações diferentes em função das culturas) e do pós-humanismo (dito de outro modo, no ímpeto de ampliar a antropologia além do humano), se interessa a partir de agora pelos signos formulados pelas árvores.2 Penso aqui no trabalho do antropólogo Eduardo Kohn, cujo belo título How Forests Think 3 é em si um programa. Seguindo as pesquisas iniciadas por Philippe Descola e Eduardo Viveiros de Castro, Kohn demonstra a que ponto a etnografia amazônica desafia nossa concepção da vida e nossa ontologia e seu naturalismo racional. Ele se apoia a seguir sobre uma leitura detalhada do filósofo e semiólogo americano Charles Sanders Peirce, para definir a vida nos termos de um processo semiótico. Se o que interessa a Kohn é o modo como os humanos e não humanos interagem no cerne dos sistemas semióticos complexos (humanos e não humanos produzindo e interpretando esses signos a partir de suas corporalidades respectivas), eu assinalaria, em relação ao vídeo de Katia Maciel, que o sopro da árvore se impõe literalmente aos olhos do espectador como um signo — e mais especificamente como um índice — da vida.

Mas, por outro lado, o sopro vital que vemos na tela não é apenas o da árvore: ele é também o sopro vital da imagem em movimento, animado de dentro pelo movimento contido em toda a fixidez. Nesse sentido, o que a imagem reapresenta — uma árvore — se confunde com o seu estar lá — a imagem animada de dentro. Tanto a árvore quanto a imagem são, portanto, referidas pela ficção do automovimento, e é nisto que o vídeo de Katia Maciel relata um duplo animismo próprio das imagens móveis, respeitante, a um só tempo, tanto a sua capacidade de animar as coisas do mundo (essa animação baseada tanto no conjunto de formas fílmicas e em efeitos especiais como nos meios específicos do desenho animado, por exemplo) como a seu modo de aparição específico (baseado na atualização do movimento ou na repressão da natureza fotográfica do filme-película quando projetado). Em outras palavras, a imagem em movimento seria um fenômeno animista por excelência, cuja genialidade, o daemon tutelar, não seria outra coisa afora a mobilidade.

Teresa Castro é professora e pesquisadora de cinema e arte na Université Sorbonne Nouvelle.

1 Penso no texto célebre no qual um jornalista anônimo de La poste observa sobre O almoço do bebê, dos irmãos Lumière, “Ao longe as árvores se agitam”. Cf. “A morte não será mais absoluta” em Daniel Banda e José Moure (textos escolhidos), Le Cinéma: naissance d’un art 1895-1920. Paris: Flammarion, 2008.
2 Cf. Perig Pitrou, “La vie, un objet pour l’anthropologie? Options méthodologiques et problèmes épistémologiques”, L’Homme, 2014, 4, n. 212, pp. 159-189.
3 O título é uma alusão à edição inglesa da célebre obra de Lévy-Bruhl, La Mentalité primitive, traduzida como How Natives Think e retomada posteriormente por outros antropólogos, como Marshal Sahlins (How “Natives” Think, 1995) ou Maurice Bloch (How We Think They Think, 1998).

THE BREATHING TREE 
Teresa Castro
Trees, we all know, are live beings permanently carrying out gaseous exchanges, absorbing oxygen and releasing carbon dioxide into the atmosphere. But what Katia Maciel shows us in her video Uma árvore is not a tree like the others: its branches contract and relax in a loop, resembling heartbeats.

It appears, then, before our eyes as an animated being, traversed by a breath of life which animates it from within. In this, the tree in Katia’s piece is distinct from those featured in other pieces that come to mind that seem equally enthralled by the majesty of trees, such as UK artists Sarah Dobai’s film Nettlecombe (2008) or the sixcanvas piece Horizontal (2011), by Finnish artist Eija-Liisa Ahtila. In both cases, the trees are animated from the outside, by the wind’s touching breath. If these installations replicate the primitive spectator’s fascination before the vision (and the hearing) of its leaves rustling 1, these trees do not inspire, however, the fiction of self-movement which occurs in Katia’s video. This fiction could be called a fiction of images, to the extent where the animation depends entirely on expressive resources native to images — in particular, to moving pictures. The video is based on the creation of a hybrid image, composed of an immobile layer — a static image in which a breathing tree stands out — and a moving one — a moving picture, at once reversible and extended in its duration (it is the looping principle, a recurrence in the artist’s work). Therefore, Uma árvore is not based on animating what is immobile, but rather on the incorporation of movement into the static image, as though immobility were nothing but the virtual absence of movement. In this sense, Katia Maciel’s video is a veritable passageway from mobility to fixedness, creating a temporality described by the artist herself as “paradoxical” (cf. conversation with Raymond Bellour).  The question of “self-movement” is essential. It primarily evokes the ancient debate on autonomous or external movement, which dates back to the antiquity in Philosophy. Both the stoics and Aristotle, for instance, queried themselves on the kinds of movement present in nature, advancing a global distinction between beings moved from the outside and beings capable of moving on their own (the latter including several sub-varieties). If plants witness movement from their own viewpoint (let us think of its growth and reproductive processes), the term “self-movement” refers to a phenomenon — the tree’s breath of life — which does not pertain to the same realm as classic autonomous movement. On the contrary: self-movement refers more to the “breath of life”-less breathing which appears to animate the tree and grant it a soul. In addition, the etymology of the word animism is eloquent, in the sense that it refers to the Latin anima and the Greek animus, whose primary sense is that of breath, of wind (respiration). If the soul of plants is a passing fad — it was a “nourishing soul” in the Aristotelian sense, or thanks to what is unveiled in scientific films of the 1920s —, contemporary anthropology, in its double “animist” twist (meaning, attentive to the way vital phenomena are subject to categorizations and different actions according to cultures) and post-humanism (in other words, in the drive to broaden anthropology and make it supersede the human), is now interested in signs formulated by trees.2 I am thinking of Eduardo Kohn’s piece, whose beautiful title How Forests Think 3 is, in and of itself, a program. On the trail of researches initiated by Philippe Descola and Eduardo Viveiros de Castro, Kohn demonstrates to what point Amazonian ethnography challenges our conception of life and our ontology and its rational naturalism. He is equally supported by a detailed reading of American philosopher and semiologist Charles Sanders Peirce in defining life in terms of a semiotic process. If what interests Kohn is the way humans and non-humans interact at the centre of complex semiotic systems (humans and non-humans alike, producing and interpreting these signs out of their own respective corporalities), I would add, then, as regards Katia Maciel’s video, that the breath of the tree quite literally imposes itself on the gaze of the spectator as a sign — and, more specifically, as an index — of life.

However, on the other hand, the breath of life we see on the screen doesn’t belong exclusively to the tree: it is, itself, the breath of life of moving pictures, animated from within by the movement contained in all that fixity. In this sense, what the image re-presents — a tree — blends into its being there — the image animated from within. The tree and the image are, therefore, both addressed by the fiction of self-movement and it is in this respect that Katia Maciel’s piece speaks of a double animism that is native to moving pictures, concerning at one time its capacity to animate worldly things (this animation resting so much on the set of filmic forms available to us and on special effects such as the specific resources of the cartoon, for instance) and its specific mode of appearance (based, according to research, on the actualization of movement or on the repression of the photographic nature of the film when it is projected). In other words, the moving image would be an animist phenomenon par excellence, whose genius, the tutelar daemon, would then be mobility.

Teresa Castro is a professor and film/art researcher at Sorbonne Nouvelle.
1 I am thinking about that notorious text where a nameless journalist for La poste remarks on Repas de bébé that “Trees are rustling at a distance” Cf. “Death will cease being absolute”, with Daniel Banda and José Moure (texts chosen), Le Cinéma: naissance d’un art 1895-1920. Paris: Flammarion, 2008.
2 On this matter, cf. Perig Pitrou, “La vie, un objet pour l’anthropologie? Options méthodologiques et problèmes épistémologiques”, L’Homme, 2014, 4, n. 212, pp. 159-189.
3 The title alludes to the British edition of Lévy-Bruhl’s famous, La Mentalité primitive, translated as How Natives Think, and later reutilized but other anthropologists, such as Marshal Sahlins (How “Natives” Think, 1995) and Maurice Bloch (How We Think They Think, 1998).