MANTENHA SUA DISTÂNCIA (NÓS NÃO A QUEREMOS!)
Roy Ascott
É nossa aparente distância das coisas que nos proporciona a certeza e a ilusão de possuirmos uma identidade separada.
A conectividade, por outro lado, pode embaçar essas distinções, tornando o ser mais maleável, ambíguo e indefinido. Distância é diferenciação. É também uma ferramenta de controle utilizada na interação social em toda uma gama de situações, das ruas às hierarquias da política e da religião. É só por manter a distância entre as coisas e as pessoas que o controle pode ser exercido sobre elas. Cada coisa em seu lugar e um lugar para cada coisa. Nesse sentido a distância é um imperativo categórico prescindível. Nosso desejo por sua supressão é anunciado pela ubiquidade frenética do telefone celular, assim como na arte a abrangência da tecnologia interativa testemunha uma mudança profunda de sensibilidade estética.
Como esperar então que um grupo de obras de arte apresentado sob a advertência “mantenha distância” forneça a intimidade de contato entre o observador e o observado? Katia Maciel explora esse paradoxo por meio do uso criterioso da tecnologia interativa, com o objetivo de superar suas limitações poéticas e com o espírito de uma interrogação artística de suas possibilidades. Oculta nessa advertência está seu desafio estético: mantenha distância — se puder.
Seu trabalho busca descobrir, dentro do processo cinematográfico e no gênero da interatividade, de que modo o rosto humano, por exemplo, pode ser usado como interface de comunicação capaz de atingir os processos emocionais e cognitivos de outras pessoas.
Por meio de uma programação de elementos de vídeo bem concebida, o espectador pode participar de forma efetiva em um processo dialógico possível entre os personagens do CD-ROM. Assim, clichês e frases aparentemente inconsequentes, proferidas por cabeças falantes selecionadas ao acaso, fazem surgir, por meio da interação do observador, trocas narrativas repletas de significado e com expressão emocional.
A ironia da advertência “mantenha distância” pode ser observada quando a intenção por trás da obra de Katia Maciel é entendida de forma adequada: incluir o observador na construção do diálogo, envolvê-lo no ato mesmo da edição durante o desenrolar de uma obra. Isso proporciona um nível de imersão que está compatível com as ambições atuais da artemídia, a busca por uma imersão desimpedida em que o indivíduo de fato se encontra de ambos os lados da interface. Isso significa estar dentro da progressão de uma instalação, ao mesmo tempo em que se está do lado de fora dela, como participante do progresso do mundo cotidiano. E, por mais que possamos concordar com Mark Twain quando ele diz “a distância confere encantamento à vista”, não podemos duvidar que na nova tradição de arte interativa, para a qual Katia Maciel faz uma contribuição importante, a imersão nos permite observar o encanto da proximidade. Como Twain, sabemos que as distâncias podem enganar, ou melhor, que distanciar é enganar. Todo caminhoneiro sabe que objetos vistos pelo retrovisor estão mais próximos do que pensamos.
Na verdade, o que está em jogo aqui é a intimidade. Reconhecida até mesmo nas trocas clichês entre amigos ou estranhos, na repetição de frases gastas, na reiteração de imagens familiares ou na observação a partir de pontos de vista conhecidos, não se pode negar a intimidade dos relacionamentos. É ali, no contexto de uma livre troca entre observador e aquilo que é visto, que podemos celebrar, assim como reavaliamos, o que nos é familiar. E é também a reciprocidade da distância e dos ambientes fechados, do tempo e do instante — questões que perpassam a visão de Katia Maciel — que nos levam a um novo entendimento da noção do Eterno Retorno, para o qual o ciclo em loop de imagens serve como metáfora. O loop, uma artimanha pós-moderna derivada exatamente da tecnologia cinematográfica e eletrônica, ecoa essa metáfora pré-moderna, até mesmo arcaica, do Oroborus. Assim como a mítica serpente come a si mesma ao comer, o sistema (que incorpora o observador em resposta a sua proximidade) vê a si mesmo ao ver.
Por fim, entendemos que o paradoxo proximidade da distância pode significar intimidade, mesmo que apenas como um exemplo da “experiência de absurdo nas relações amorosas”, nas palavras de Katia. O absurdo abarca tudo que seja não causal, aleatório, acaso. A distância evita o impacto enquanto, paradoxalmente, o envolvimento próximo envolve o impacto, ou seja, o impacto físico da presença do observador no espaço de uma instalação. A traseira do caminhão, nesta exposição, é um potente lembrete de nossa compreensão efêmera da realidade. Não podemos ultrapassar acontecimentos, mas também não podemos de fato nos distanciar deles. A arte clássica buscou estabelecer a autonomia do mundo, visto como algo que existe fora de nós, a distância. A harmonia, pensava-se, residia na objetificação do nosso entorno e no isolamento do mundo na apreensão do espaço da perspectiva. Katia Maciel nos mostra que a arte pode destruir a distância ao agir no espaço interativo, oferecendo canais de experiência nos quais o observador torna-se uma parte integrante da maneira como as coisas acontecem.
Assim, a interação torna-se êxtase, uma elevação dos sentidos, em que o espaço não tem leis, da maneira que talvez seja permitida somente pela transformação digital. É dentro desse novo tipo de espaço e tempo que Katia Maciel celebra o fato de se recusar a manter distância.
Roy Ascott
É nossa aparente distância das coisas que nos proporciona a certeza e a ilusão de possuirmos uma identidade separada.
A conectividade, por outro lado, pode embaçar essas distinções, tornando o ser mais maleável, ambíguo e indefinido. Distância é diferenciação. É também uma ferramenta de controle utilizada na interação social em toda uma gama de situações, das ruas às hierarquias da política e da religião. É só por manter a distância entre as coisas e as pessoas que o controle pode ser exercido sobre elas. Cada coisa em seu lugar e um lugar para cada coisa. Nesse sentido a distância é um imperativo categórico prescindível. Nosso desejo por sua supressão é anunciado pela ubiquidade frenética do telefone celular, assim como na arte a abrangência da tecnologia interativa testemunha uma mudança profunda de sensibilidade estética.
Como esperar então que um grupo de obras de arte apresentado sob a advertência “mantenha distância” forneça a intimidade de contato entre o observador e o observado? Katia Maciel explora esse paradoxo por meio do uso criterioso da tecnologia interativa, com o objetivo de superar suas limitações poéticas e com o espírito de uma interrogação artística de suas possibilidades. Oculta nessa advertência está seu desafio estético: mantenha distância — se puder.
Seu trabalho busca descobrir, dentro do processo cinematográfico e no gênero da interatividade, de que modo o rosto humano, por exemplo, pode ser usado como interface de comunicação capaz de atingir os processos emocionais e cognitivos de outras pessoas.
Por meio de uma programação de elementos de vídeo bem concebida, o espectador pode participar de forma efetiva em um processo dialógico possível entre os personagens do CD-ROM. Assim, clichês e frases aparentemente inconsequentes, proferidas por cabeças falantes selecionadas ao acaso, fazem surgir, por meio da interação do observador, trocas narrativas repletas de significado e com expressão emocional.
A ironia da advertência “mantenha distância” pode ser observada quando a intenção por trás da obra de Katia Maciel é entendida de forma adequada: incluir o observador na construção do diálogo, envolvê-lo no ato mesmo da edição durante o desenrolar de uma obra. Isso proporciona um nível de imersão que está compatível com as ambições atuais da artemídia, a busca por uma imersão desimpedida em que o indivíduo de fato se encontra de ambos os lados da interface. Isso significa estar dentro da progressão de uma instalação, ao mesmo tempo em que se está do lado de fora dela, como participante do progresso do mundo cotidiano. E, por mais que possamos concordar com Mark Twain quando ele diz “a distância confere encantamento à vista”, não podemos duvidar que na nova tradição de arte interativa, para a qual Katia Maciel faz uma contribuição importante, a imersão nos permite observar o encanto da proximidade. Como Twain, sabemos que as distâncias podem enganar, ou melhor, que distanciar é enganar. Todo caminhoneiro sabe que objetos vistos pelo retrovisor estão mais próximos do que pensamos.
Na verdade, o que está em jogo aqui é a intimidade. Reconhecida até mesmo nas trocas clichês entre amigos ou estranhos, na repetição de frases gastas, na reiteração de imagens familiares ou na observação a partir de pontos de vista conhecidos, não se pode negar a intimidade dos relacionamentos. É ali, no contexto de uma livre troca entre observador e aquilo que é visto, que podemos celebrar, assim como reavaliamos, o que nos é familiar. E é também a reciprocidade da distância e dos ambientes fechados, do tempo e do instante — questões que perpassam a visão de Katia Maciel — que nos levam a um novo entendimento da noção do Eterno Retorno, para o qual o ciclo em loop de imagens serve como metáfora. O loop, uma artimanha pós-moderna derivada exatamente da tecnologia cinematográfica e eletrônica, ecoa essa metáfora pré-moderna, até mesmo arcaica, do Oroborus. Assim como a mítica serpente come a si mesma ao comer, o sistema (que incorpora o observador em resposta a sua proximidade) vê a si mesmo ao ver.
Por fim, entendemos que o paradoxo proximidade da distância pode significar intimidade, mesmo que apenas como um exemplo da “experiência de absurdo nas relações amorosas”, nas palavras de Katia. O absurdo abarca tudo que seja não causal, aleatório, acaso. A distância evita o impacto enquanto, paradoxalmente, o envolvimento próximo envolve o impacto, ou seja, o impacto físico da presença do observador no espaço de uma instalação. A traseira do caminhão, nesta exposição, é um potente lembrete de nossa compreensão efêmera da realidade. Não podemos ultrapassar acontecimentos, mas também não podemos de fato nos distanciar deles. A arte clássica buscou estabelecer a autonomia do mundo, visto como algo que existe fora de nós, a distância. A harmonia, pensava-se, residia na objetificação do nosso entorno e no isolamento do mundo na apreensão do espaço da perspectiva. Katia Maciel nos mostra que a arte pode destruir a distância ao agir no espaço interativo, oferecendo canais de experiência nos quais o observador torna-se uma parte integrante da maneira como as coisas acontecem.
Assim, a interação torna-se êxtase, uma elevação dos sentidos, em que o espaço não tem leis, da maneira que talvez seja permitida somente pela transformação digital. É dentro desse novo tipo de espaço e tempo que Katia Maciel celebra o fato de se recusar a manter distância.
Roy Ascott é artista, teórico de arte e tecnologia, criador e professor do Planetary Collegium.
KEEP YOUR DISTANCE (WE DON’T WANT IT!)
Roy Ascott
Roy Ascott
It is our apparent distance from things that gives us the assurance and illusion of separate identity. Connectivity, on the other hand, can blur these distinctions, rendering the self more malleable, ambiguous and open-ended. Distance is differentiation. It is also a tool of control used in social interaction across a whole spectrum of situations from the street level to the hierarchies of politics and religion. It is by maintaining the distance between things and persons that control can be exerted upon them. Everything in its place and a place for everything. In this sense distance is a categorical imperative we can do without. Our desire for its erasure is heralded in the delirious ubiquity of the mobile phone, just as in art the embrace of interactive technology witnesses a profound change of aesthetic sensibility.
How then can a group of art works presented under the admonition to “Keep your Distance” be expected to provide intimacy of contact between the viewer and the viewed? Katia Maciel sets out to explore this paradox with the judicious use of interactive technology, with the objective of surpassing its poetic limitations and in the spirit of an artistic interrogation of its possibilities. Hidden within this rubric is her aesthetic challenge: keep your distance — if you can.
Her work seeks to discover, within the cinematic process and in the genre of interactivity, how the human face, for example, might be used as a communications interface that would reach the emotional and cognitive processes of others. Through a well conceived and professionally executed programming of video elements, the viewer is able effectively to participate in a dialogical process which can be set up between characters in the CD-ROM. Thus, clichés and apparently inconsequential phrases uttered by randomly selected talking heads give rise through viewer interaction to meaningful and emotionally expressive narrative exchanges.
The irony of the rubric Maintaining Distance can be seen when the intention behind Katia Maciel’s work is properly understood: to implicate the viewer in the construction of dialogue, to become involved in the very act of editing while the experience of a work unfolds. This provides a level of immersion which is congruent with the current ambitions of media art, the search for an unencumbered immersion in which one is effectively on both sides of the interface. This means to be within the progression of an installation while remaining outside it as a participant in the progress of the everyday world. And while we can agree with Mark Twain that “distance lends enchantment to the view”, it cannot be doubted that in the new tradition of interactive media art, to which Maciel makes a significant contribution, immersion allows us to view the enchantment of proximity. Like Twain, we know that distances can be deceptive, or to spell it out more clearly, to distance is to deceive. As every trucker knows, things seen in the rear-view mirror are closer than you think.
It is in fact intimacy that is at stake here. Recognised even within the clichéd exchange of friends or strangers, even within the repetition of well-worn phrases, the iteration of familiar images, or observation from familiar viewpoints, the intimacy of relations cannot be denied. It is here, in the context of free exchange between viewer and the view, that we can celebrate, just as we re- evaluate, the familiar. Equally, it is the reciprocity of distance and enclosure, and of time and the instant — issues that so much inform Maciel’s vision — that leads us to a fresh understanding of the notion of the Eternal Return, for which the looped cycle of images is the metaphor. The loop, a post-modern trope derived precisely from cinematic and electronic technology, echoes that pre-modern, indeed archaic, metaphor of the Oriborus. Just as the mythic snake eats itself eating, the system (which incorporates the viewer in response to his proximity) views itself viewing.
Finally we understand that the paradoxical proximity of distance can mean intimacy, if only as an example of the “experience of nonsense in love relations”, in Maciel’s words. Nonsense implies everything that is non-causal, random, hit- or-miss. Distance avoids the hit while, paradoxically, close engagement involves the hit, that is to say, the physical impact of the viewer’s presence in the space of an installation. The rear side of the truck in this exhibition is a potent reminder of our fleeting grasp of reality. We cannot overtake events but neither can we truly distance ourselves from them. Classical art sought to establish the autonomy of the world, seen as existing outside us, at a distance. Harmony, it was thought, lay in objectifying our surroundings, and isolating the world in the capture of perspectival space. Maciel shows us that art can collapse the distance by working in interactive space, providing channels of experience in which the viewer becomes an integral part of how things play out.
Thus capture becomes rapture, an elevation of the senses, where space is unlawful, in the way that perhaps only digital transformation permits. It is within this new kind of space, and of time, that Katia Maciel celebrates her refusal to maintain distance.
Roy Ascott is an artist, art and technology theorist and creator and professor at the Planetary Collegium.
How then can a group of art works presented under the admonition to “Keep your Distance” be expected to provide intimacy of contact between the viewer and the viewed? Katia Maciel sets out to explore this paradox with the judicious use of interactive technology, with the objective of surpassing its poetic limitations and in the spirit of an artistic interrogation of its possibilities. Hidden within this rubric is her aesthetic challenge: keep your distance — if you can.
Her work seeks to discover, within the cinematic process and in the genre of interactivity, how the human face, for example, might be used as a communications interface that would reach the emotional and cognitive processes of others. Through a well conceived and professionally executed programming of video elements, the viewer is able effectively to participate in a dialogical process which can be set up between characters in the CD-ROM. Thus, clichés and apparently inconsequential phrases uttered by randomly selected talking heads give rise through viewer interaction to meaningful and emotionally expressive narrative exchanges.
The irony of the rubric Maintaining Distance can be seen when the intention behind Katia Maciel’s work is properly understood: to implicate the viewer in the construction of dialogue, to become involved in the very act of editing while the experience of a work unfolds. This provides a level of immersion which is congruent with the current ambitions of media art, the search for an unencumbered immersion in which one is effectively on both sides of the interface. This means to be within the progression of an installation while remaining outside it as a participant in the progress of the everyday world. And while we can agree with Mark Twain that “distance lends enchantment to the view”, it cannot be doubted that in the new tradition of interactive media art, to which Maciel makes a significant contribution, immersion allows us to view the enchantment of proximity. Like Twain, we know that distances can be deceptive, or to spell it out more clearly, to distance is to deceive. As every trucker knows, things seen in the rear-view mirror are closer than you think.
It is in fact intimacy that is at stake here. Recognised even within the clichéd exchange of friends or strangers, even within the repetition of well-worn phrases, the iteration of familiar images, or observation from familiar viewpoints, the intimacy of relations cannot be denied. It is here, in the context of free exchange between viewer and the view, that we can celebrate, just as we re- evaluate, the familiar. Equally, it is the reciprocity of distance and enclosure, and of time and the instant — issues that so much inform Maciel’s vision — that leads us to a fresh understanding of the notion of the Eternal Return, for which the looped cycle of images is the metaphor. The loop, a post-modern trope derived precisely from cinematic and electronic technology, echoes that pre-modern, indeed archaic, metaphor of the Oriborus. Just as the mythic snake eats itself eating, the system (which incorporates the viewer in response to his proximity) views itself viewing.
Finally we understand that the paradoxical proximity of distance can mean intimacy, if only as an example of the “experience of nonsense in love relations”, in Maciel’s words. Nonsense implies everything that is non-causal, random, hit- or-miss. Distance avoids the hit while, paradoxically, close engagement involves the hit, that is to say, the physical impact of the viewer’s presence in the space of an installation. The rear side of the truck in this exhibition is a potent reminder of our fleeting grasp of reality. We cannot overtake events but neither can we truly distance ourselves from them. Classical art sought to establish the autonomy of the world, seen as existing outside us, at a distance. Harmony, it was thought, lay in objectifying our surroundings, and isolating the world in the capture of perspectival space. Maciel shows us that art can collapse the distance by working in interactive space, providing channels of experience in which the viewer becomes an integral part of how things play out.
Thus capture becomes rapture, an elevation of the senses, where space is unlawful, in the way that perhaps only digital transformation permits. It is within this new kind of space, and of time, that Katia Maciel celebrates her refusal to maintain distance.
Roy Ascott is an artist, art and technology theorist and creator and professor at the Planetary Collegium.