NÃO FOSSE A PALAVRA
Ismar Tirelli Neto
Em 2001, a artista visual, poeta e acadêmica Katia Maciel roda o documentário Neoconcretos. Trata-se de um apanhado de depoimentos de artistas plásticos que foram atuantes no âmbito daquela dissidência, e um dos fios condutores discursivos mais evidentes nas falas é justamente a oposição à ortodoxia formal, ao geometrismo implacável, à matemática pura proposta pelo “estado-maior” do Concretismo.
A primeira entrevistada, Lygia Pape, fala-nos em fluxo, o que imediatamente nos sugere trânsitos desimpedidos e orgânicos. Uma menção passageira a Heráclito e retoma-se o problema do indivíduo-artista como figuração privilegiada de impermanência, liberdade, não fixidez. No limite, somos instados a pensar quem é quem nesta metáfora. O rio imparável, passagem e acúmulo, corpo que não se detém na definitude, que não é detido pela definitude, que se organiza apenas circunstancialmente e por isso mesmo materializa a um só tempo o provisório e o elemental — é o artista? Ou será a própria prática artística, tomada de forma mais esquemática?
Mais além, vemos o poeta e artista visual Osmar Dillon. KM o enquadra diante de um trabalho de autoria do próprio chamado Chuva. Portanto, o fundo que nos “avança” a figura de Dillon é composto por uma série de “ripas de cristal” espelhadas nas quais o artista estampou as letras C H U V A.
Ao falar sobre esse trabalho, Dillon faz dois comentários extremamente oportunos, que retomamos aqui. O primeiro é a afirmação de que a palavra-chuva “ativa” o objeto. O segundo é a afirmação de que o objeto “seria frio se não fosse a palavra”. Com estes dois apartes, está posto o problema do objeto poético, de uma poética visual. A palavra é encarada aqui como um instrumento vitalizador — ao “acionar” um objeto ela o transforma em seu oposto, “não objeto”, poesia; esta ausência de função unívoca o deposita no mundo dos vivos, terra fremente de sugestão e possibilidade. Vivificação por meio da palavra; o objeto torna-se cálido, receptivo, sem abandonar certo rigor de apresentação. O discurso de Dillon nos parece exemplar precisamente por aliar meticulosidade e apuro formal a um desejo de comunicação e intercâmbio de sentidos poéticos — entre os depoentes, Dillon não se acha só ao discorrer sobre a “participação” do fruidor como sendo capital para a existência da obra de arte.
*
Mas pensamos ainda em rios. A imaginação do que se move, do que acumula dados vitais, do que respira, do que se reorganiza diante de nossos olhos permanecendo de algum modo fiel a si próprio. Tudo isso sempre esteve presente no trabalho artístico de KM. Agora, decorridos vinte anos desde o início de suas atividades, tomamos uma fotografia do fluxo, buscamos intuir para onde se encaminha.
Nesta curva do trabalho de KM, começamos a ver uma retomada em objeto de motivos que antes se desdobravam mormente no âmbito do cinema e da videoinstalação. Sempre preocupada em desestabilizar tanto a imagem quanto as situações convencionais de expectação, KM — para usar as palavras de A. Berne-Joffroy em artigo de 1955 sobre os objetos de Fautrier — é uma artista que tem “a sensação exata de que as coisas poderiam ser diferentes” e que nos provoca continuamente com vislumbres de movimento, de uma vida escondida na estase, acossada no imóvel, à espera do menor sinal, da menor intervenção, para começar, para proliferar. Aqui, esta vida encontra um outro esconderijo, outra ocultação para pôr-se à espreita. A forma reformula, rejuvenesce. Vemo-nos agora no caminho do objeto; no caminho do objeto espelhado; no caminho do objeto ativado por palavras. O que pode significar, neste momento, uma opção pelo poema visual em detrimento, por exemplo, de uma permanência inquestionada no transcinematográfico? Coisa que nos fala fluvialmente — trata-se de uma água que encontra seus caminhos, que forceja, que não apenas assunta a vitalidade, como dá mostras incontestes da mesma ao assumir frontalmente suas próprias transmutações. Neste caso, a opção pelo objeto já é, de si, substância de pensamento, podendo bem significar uma deriva para o sólido, para o cada vez mais tátil, para o cada vez mais claro e abarcável. O que, afinal, acontece nesta transformação da projeção móvel em quadro fixo, do filme em objeto, em poema visual? Houve crescimento ou redução do potencial interativo? Num caudal que perpassa o cinema, a arte instalativa, a poesia e a fotografia, o que significa este novo tributário?
Repropor, mas é a primeira vez. Repetir, mas inaugurar. Recuar, mas avançar. Habitemos isto: a dificuldade de encontrar uma linguagem do retorno e do avanço, do rio e da matéria que corre com ele. Nos objetos que compõem esta exposição encontraremos reformulações e revisões de trabalhos já célebres da artista. São como precipitações, cristalizações novas. KM coloca-se para fora de seu próprio trabalho por alguns instantes para tornar-se executante de si. Há uma espécie de partitura, sim, mas ela foi escrita para abrir-se a este tipo de reinterpretação. Ela foi composta para a abertura. Ei-la. Utilizando-se da liberdade com que sempre tratou de seu trabalho (não apenas a liberdade de ver, mas também, e principalmente, a aterradora liberdade do que é visto), KM o reforma, ensejando assim novas e imprevistas relações no contexto de um repertório temático absolutamente coerente (o que é a água nesta metáfora?). Após anos dedicados a demonstrar — com calma característica — a instabilidade fundamental das imagens à nossa volta, KM, ela própria arquiteta de imagens, propõe-se agora desestabilizar seu próprio trabalho, friccionando-o contra um campo até então inexplorado.
Ismar Tirelli Neto
Em 2001, a artista visual, poeta e acadêmica Katia Maciel roda o documentário Neoconcretos. Trata-se de um apanhado de depoimentos de artistas plásticos que foram atuantes no âmbito daquela dissidência, e um dos fios condutores discursivos mais evidentes nas falas é justamente a oposição à ortodoxia formal, ao geometrismo implacável, à matemática pura proposta pelo “estado-maior” do Concretismo.
A primeira entrevistada, Lygia Pape, fala-nos em fluxo, o que imediatamente nos sugere trânsitos desimpedidos e orgânicos. Uma menção passageira a Heráclito e retoma-se o problema do indivíduo-artista como figuração privilegiada de impermanência, liberdade, não fixidez. No limite, somos instados a pensar quem é quem nesta metáfora. O rio imparável, passagem e acúmulo, corpo que não se detém na definitude, que não é detido pela definitude, que se organiza apenas circunstancialmente e por isso mesmo materializa a um só tempo o provisório e o elemental — é o artista? Ou será a própria prática artística, tomada de forma mais esquemática?
Mais além, vemos o poeta e artista visual Osmar Dillon. KM o enquadra diante de um trabalho de autoria do próprio chamado Chuva. Portanto, o fundo que nos “avança” a figura de Dillon é composto por uma série de “ripas de cristal” espelhadas nas quais o artista estampou as letras C H U V A.
Ao falar sobre esse trabalho, Dillon faz dois comentários extremamente oportunos, que retomamos aqui. O primeiro é a afirmação de que a palavra-chuva “ativa” o objeto. O segundo é a afirmação de que o objeto “seria frio se não fosse a palavra”. Com estes dois apartes, está posto o problema do objeto poético, de uma poética visual. A palavra é encarada aqui como um instrumento vitalizador — ao “acionar” um objeto ela o transforma em seu oposto, “não objeto”, poesia; esta ausência de função unívoca o deposita no mundo dos vivos, terra fremente de sugestão e possibilidade. Vivificação por meio da palavra; o objeto torna-se cálido, receptivo, sem abandonar certo rigor de apresentação. O discurso de Dillon nos parece exemplar precisamente por aliar meticulosidade e apuro formal a um desejo de comunicação e intercâmbio de sentidos poéticos — entre os depoentes, Dillon não se acha só ao discorrer sobre a “participação” do fruidor como sendo capital para a existência da obra de arte.
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Mas pensamos ainda em rios. A imaginação do que se move, do que acumula dados vitais, do que respira, do que se reorganiza diante de nossos olhos permanecendo de algum modo fiel a si próprio. Tudo isso sempre esteve presente no trabalho artístico de KM. Agora, decorridos vinte anos desde o início de suas atividades, tomamos uma fotografia do fluxo, buscamos intuir para onde se encaminha.
Nesta curva do trabalho de KM, começamos a ver uma retomada em objeto de motivos que antes se desdobravam mormente no âmbito do cinema e da videoinstalação. Sempre preocupada em desestabilizar tanto a imagem quanto as situações convencionais de expectação, KM — para usar as palavras de A. Berne-Joffroy em artigo de 1955 sobre os objetos de Fautrier — é uma artista que tem “a sensação exata de que as coisas poderiam ser diferentes” e que nos provoca continuamente com vislumbres de movimento, de uma vida escondida na estase, acossada no imóvel, à espera do menor sinal, da menor intervenção, para começar, para proliferar. Aqui, esta vida encontra um outro esconderijo, outra ocultação para pôr-se à espreita. A forma reformula, rejuvenesce. Vemo-nos agora no caminho do objeto; no caminho do objeto espelhado; no caminho do objeto ativado por palavras. O que pode significar, neste momento, uma opção pelo poema visual em detrimento, por exemplo, de uma permanência inquestionada no transcinematográfico? Coisa que nos fala fluvialmente — trata-se de uma água que encontra seus caminhos, que forceja, que não apenas assunta a vitalidade, como dá mostras incontestes da mesma ao assumir frontalmente suas próprias transmutações. Neste caso, a opção pelo objeto já é, de si, substância de pensamento, podendo bem significar uma deriva para o sólido, para o cada vez mais tátil, para o cada vez mais claro e abarcável. O que, afinal, acontece nesta transformação da projeção móvel em quadro fixo, do filme em objeto, em poema visual? Houve crescimento ou redução do potencial interativo? Num caudal que perpassa o cinema, a arte instalativa, a poesia e a fotografia, o que significa este novo tributário?
Repropor, mas é a primeira vez. Repetir, mas inaugurar. Recuar, mas avançar. Habitemos isto: a dificuldade de encontrar uma linguagem do retorno e do avanço, do rio e da matéria que corre com ele. Nos objetos que compõem esta exposição encontraremos reformulações e revisões de trabalhos já célebres da artista. São como precipitações, cristalizações novas. KM coloca-se para fora de seu próprio trabalho por alguns instantes para tornar-se executante de si. Há uma espécie de partitura, sim, mas ela foi escrita para abrir-se a este tipo de reinterpretação. Ela foi composta para a abertura. Ei-la. Utilizando-se da liberdade com que sempre tratou de seu trabalho (não apenas a liberdade de ver, mas também, e principalmente, a aterradora liberdade do que é visto), KM o reforma, ensejando assim novas e imprevistas relações no contexto de um repertório temático absolutamente coerente (o que é a água nesta metáfora?). Após anos dedicados a demonstrar — com calma característica — a instabilidade fundamental das imagens à nossa volta, KM, ela própria arquiteta de imagens, propõe-se agora desestabilizar seu próprio trabalho, friccionando-o contra um campo até então inexplorado.
Ismar Tirelli Neto é poeta, ficcionista, roteirista e tradutor.
WERE IT NOT FOR THE WORD
Ismar Tirelli Neto
Ismar Tirelli Neto
In 2001, visual artist, poet and scholar Katia Maciel shoots the documentary Neoconcretos. The film consists of a series of statements given by artists who had been active within the orbit of the Neoconcrete dissidence, and one of the more salient leitmotifs to be found in the statements is precisely an opposition to the formal orthodoxy, the implacable geometrism and the pure mathematics advocated by Concretism’s “General Staff”.
At a certain moment, the first artist interviewed, Lygia Pape, speaks of a flow, which immediately brings to mind unimpeded, organic transit. A fleeting mention to Heraclitus and the problem of the artistic individual as privileged avatar for impermanence, freedom, non-fixity is resumed. In the end, we feel compelled to discover who is who in this metaphor. The unstoppable river, passage and accumulation, body that does not detain itself in definitude, a body that is not detained by definitude, a body that organises itself only circumstantially and therefore materializes notions both of the temporary and the elemental — is this the artist? Or is it the artistic process itself, viewed most schematically?
The river continues to run, placing us before poet and visual artist Osmar Dillon. KM frames him using as background a piece of his own making called Rain. Therefore, the background which “advances” Dillon is comprised of a series of mirrored “crystal shards” over which the artist had the letters C H U V A (the letters for the Portuguese word for “rain”) printed.
When discussing this piece in particular, Dillon makes two very opportune remarks, which we address here. The first is the statement that the word-rain “activates” the object. The second is the statement that the object “would be cold, were it not for the word”. With these two off-handed remarks, the problem of the poetic object, of one visual poetics, is put squarely before us. The word is seen here as a vitalizing instrument — in “activating” an object it transforms it into its opposite, a “non-object”, poetry; this absence of univocal function deposits it on the world of the living, a land trembling with possibility and suggestiveness. Vivification by means of the word; the object becomes warm, receptive, without foregoing a certain rigour in presentation. Dillon’s discourse seems exemplary to us for coupling meticulousness and formal control to an eros for communication and the interchange of poetic senses — among the interviewees, Dillon is not alone in expounding on the seer’s “participation” as being capital for the existence of the work of art.
*
But our mind is still on rivers. The imagination of what moves, what accumulates vital signs, what breathes, what rearranges itself before our eyes while somehow remaining true to itself. All of this has always been present in KM’s work. Now, after twenty years since the beginning of her activities in the field, we take a photograph of the flux, we try to intuit where it is headed.
In this bend of KM’s artistic output, we begin to see an objective reframing — that is to say, a reframing into objects — of motifs previously elaborated mainly in the realm of cinema and videoinstallation. Always preoccupied with destabilizing both the image and conventional cinematic situations, KM — to use the words of A. Berne-Joffroy in an 1955 article on the objects of Fautrier — is an artist with a “marked impression that things could be quite different” and who continually provokes us with glimpses of movement, of a life hidden in stasis, cowering in all that is immobile and waiting for the slightest of signals, the slightest intervention, to begin, to proliferate. Here, such a life finds yet another hiding place, another recess to continue waiting. Form reformulates, rejuvenates. We now find ourselves on our way to the object; on our way to the mirrored object; on our way to the object activated by words. What can it mean now, this choice for visual poetry at the expense, for instance, of an unquestioning permanence in the field of the transcinematic? This speaks to us fluvially — it is water finding its own ways, forcing about, not merely thematising vitality but giving concrete examples of it as it wears its transmutations with pride. In this particular case, the option for the object is, in itself, substance for thought, and it can very well signify a move towards the increasingly solid, the increasingly tactile, the increasingly clear and intelligible What, in the last analysis, takes place in this transformation from moving projections to a still image, from film to object, to visual poem? Has there been an increase or a dwindling of interactive potential? In a river that runs through cinema, installation, poetry and photography, what can this new tributary mean?
To propose once again, but for the first time. To repeat, but to inaugurate. To retreat, but to advance. Let’s inhabit this: the difficulty in finding a language of retrospective and furtherance, of the river and the matter running with it. In the objects that compose this exhibit, we will find revisions and reformulations of celebrated works by the artist. They are like precipitations, new crystallizations. KM places herself outside her work for a moment to become a “player” of herself. There is a kind of sheet music, yes, but it has been written for the purpose of opening itself up to this sort of reinterpretation. It has been composed for openness. There it is. Availing herself of the freedom with which she has always handled her work (not only the freedom to see, but also, and mostly, the terrifying freedom of what is seen), KM reforms it, occasioning new and unforeseen relations in the context of a thematic repertoire that is absolutely coherent (what could be water in this metaphor?). After years dedicated to demonstrating, with distinctive calm, the fundamental instability of the images around us, KM, herself an architect of images, challenges herself to destabilize her own work by testing it on as yet unexplored terrain.
Ismar Tirelli Neto is a poet, fiction writer, screenwriter and translator.
At a certain moment, the first artist interviewed, Lygia Pape, speaks of a flow, which immediately brings to mind unimpeded, organic transit. A fleeting mention to Heraclitus and the problem of the artistic individual as privileged avatar for impermanence, freedom, non-fixity is resumed. In the end, we feel compelled to discover who is who in this metaphor. The unstoppable river, passage and accumulation, body that does not detain itself in definitude, a body that is not detained by definitude, a body that organises itself only circumstantially and therefore materializes notions both of the temporary and the elemental — is this the artist? Or is it the artistic process itself, viewed most schematically?
The river continues to run, placing us before poet and visual artist Osmar Dillon. KM frames him using as background a piece of his own making called Rain. Therefore, the background which “advances” Dillon is comprised of a series of mirrored “crystal shards” over which the artist had the letters C H U V A (the letters for the Portuguese word for “rain”) printed.
When discussing this piece in particular, Dillon makes two very opportune remarks, which we address here. The first is the statement that the word-rain “activates” the object. The second is the statement that the object “would be cold, were it not for the word”. With these two off-handed remarks, the problem of the poetic object, of one visual poetics, is put squarely before us. The word is seen here as a vitalizing instrument — in “activating” an object it transforms it into its opposite, a “non-object”, poetry; this absence of univocal function deposits it on the world of the living, a land trembling with possibility and suggestiveness. Vivification by means of the word; the object becomes warm, receptive, without foregoing a certain rigour in presentation. Dillon’s discourse seems exemplary to us for coupling meticulousness and formal control to an eros for communication and the interchange of poetic senses — among the interviewees, Dillon is not alone in expounding on the seer’s “participation” as being capital for the existence of the work of art.
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But our mind is still on rivers. The imagination of what moves, what accumulates vital signs, what breathes, what rearranges itself before our eyes while somehow remaining true to itself. All of this has always been present in KM’s work. Now, after twenty years since the beginning of her activities in the field, we take a photograph of the flux, we try to intuit where it is headed.
In this bend of KM’s artistic output, we begin to see an objective reframing — that is to say, a reframing into objects — of motifs previously elaborated mainly in the realm of cinema and videoinstallation. Always preoccupied with destabilizing both the image and conventional cinematic situations, KM — to use the words of A. Berne-Joffroy in an 1955 article on the objects of Fautrier — is an artist with a “marked impression that things could be quite different” and who continually provokes us with glimpses of movement, of a life hidden in stasis, cowering in all that is immobile and waiting for the slightest of signals, the slightest intervention, to begin, to proliferate. Here, such a life finds yet another hiding place, another recess to continue waiting. Form reformulates, rejuvenates. We now find ourselves on our way to the object; on our way to the mirrored object; on our way to the object activated by words. What can it mean now, this choice for visual poetry at the expense, for instance, of an unquestioning permanence in the field of the transcinematic? This speaks to us fluvially — it is water finding its own ways, forcing about, not merely thematising vitality but giving concrete examples of it as it wears its transmutations with pride. In this particular case, the option for the object is, in itself, substance for thought, and it can very well signify a move towards the increasingly solid, the increasingly tactile, the increasingly clear and intelligible What, in the last analysis, takes place in this transformation from moving projections to a still image, from film to object, to visual poem? Has there been an increase or a dwindling of interactive potential? In a river that runs through cinema, installation, poetry and photography, what can this new tributary mean?
To propose once again, but for the first time. To repeat, but to inaugurate. To retreat, but to advance. Let’s inhabit this: the difficulty in finding a language of retrospective and furtherance, of the river and the matter running with it. In the objects that compose this exhibit, we will find revisions and reformulations of celebrated works by the artist. They are like precipitations, new crystallizations. KM places herself outside her work for a moment to become a “player” of herself. There is a kind of sheet music, yes, but it has been written for the purpose of opening itself up to this sort of reinterpretation. It has been composed for openness. There it is. Availing herself of the freedom with which she has always handled her work (not only the freedom to see, but also, and mostly, the terrifying freedom of what is seen), KM reforms it, occasioning new and unforeseen relations in the context of a thematic repertoire that is absolutely coherent (what could be water in this metaphor?). After years dedicated to demonstrating, with distinctive calm, the fundamental instability of the images around us, KM, herself an architect of images, challenges herself to destabilize her own work by testing it on as yet unexplored terrain.
Ismar Tirelli Neto is a poet, fiction writer, screenwriter and translator.