PAISAGEM A DOIS  
Daniela Bousso

Katia Maciel e André Parente são artistas cujas investigações estão voltadas para a história da evolução do cinema, das novas mídias e das artes visuais. A produção de ambos, contemporânea por excelência, desenvolve-se a partir de uma prática híbrida entre teoria e arte, ora publicando livros, ora organizando curadorias, ora desenvolvendo vídeos, instalações ou obras interativas. Como professores, ambos mantêm uma relação de proximidade e trocas com jovens interessados em arte e coordenam o Núcleo de Tecnologia da Imagem na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (N-imagem).

André Parente publicou títulos que hoje são referências recorrentes no campo das novas mídias e do cinema: Imagem e máquina (1993) e Narrativa e modernidade (2005), entre outros. Katia Maciel, por sua vez, publicou o livro Transcinemas (2009), que reúne diversos autores que tratam da problemática das novas formas de recepção e participação do público que redesenham o cinema tradicional. Alguns artistas denominam essas formas de “cinemas do futuro”. Outros autores se referem a elas como cinema expandido ou, ainda, pós-cinemas.

Desde a virada do milênio, vários artistas brasileiros têm  desenvolvido softwares e dispositivos que ampliam as possibilidades fílmicas e realizam a fusão entre cinema e vídeo. Além de Katia Maciel e André Parente, artistas como Giselle Beiguelman,  Lucas Bambozzi, Rejane Cantoni e Leo Crescenti, Daniela Kutschat e  outros das mais novas gerações realizam pesquisas significativas sobre dispositivos, inclusive aqueles que envolvem a internet.

Transcinema é a denominação que Katia Maciel criou para definir a expansão dos dispositivos clássicos do cinema, de forma que as obras agreguem novas camadas de tecnologia, abrindo uma vasta gama de possibilidades e variações que conferem ao cinema um caráter interativo. Do circuito internacional da arte, Katia observou as experiências desenvolvidas pelo cinema experimental e por artistas como Jeffrey Shaw e Michael Snow. Da arte brasileira, a artista extraiu as experiências conceituais que envolveram a participação do espectador e marcaram a arte conceitual local dos anos 1970 em diante.

Os experimentos desenvolvidos por artistas como Hélio Oiticica e Arthur Barrio nos anos 1960 e 1970 foram objetos de estudo de Katia. O conhecimento aprofundado da obra de Oiticica, principalmente no que tange às pesquisas que levaram o artista a realizar os “quasi-cinemas”, que propunham a imersão e a participação do público, levou Katia a desenvolver as suas imagens-relação, que pressupõem o envolvimento de corpo e mente por parte do espectador imerso na instalação. 

Katia e André Parente trabalham exatamente no ponto onde convergem operações complexas entre cinema, literatura, vídeo e artes visuais. Criam dispositivos de interatividade que desafiam o espectador a tornar-se um participador. Não poderia deixar de ser assim, uma vez que os artistas se dedicaram ao estudo e ao conhecimento de uma história da arte que envolve desde as experiências do cinema tradicional até as do Modernismo com o Surrealismo e o Dadaísmo, passeando entre as evoluções do território da performance e as intervenções urbanas de grupos como o Fluxus, no final dos anos 1950 e nos anos 1960, além da influência dos brasileiros já citados.
De saída, as suas obras nos colocam diante de alguns embates e tensões típicas das problemáticas do século XXI. A primeira delas é se a arte ainda pode ser considerada um espaço possível para o assentamento da expressão e da liberdade; em seguida, se ela pode ser entendida enquanto jogo, passível de provocar em nós transformações, por nos transportar para universos míticos, oníricos ou ficcionais. Um outro embate trata do problema do transcurso do tempo, ou seja, a fricção entre o cronômetro interior de cada um e a compressão do tempo global entrópico. Nesse sentido, indagam que contratos são possíveis de se fazer com o tempo, quando a cronometragem interior nos leva a uma densidade ontológica, que inscreve nas obras aspectos relativos à tessitura das novas subjetividades que surgem no século XXI. 
Daniela Bousso é curadora e crítica de arte.
TWO FOR THE LANDSCAPE
Daniela Bousso
Katia Maciel and André Parente are artists whose investigations are geared towards the history of cinema’s evolution, as well as new medias and visual arts. Both their Works, contemporary par excellence, develop from a hybrid practice between theory and art, either publishing books, either curating exhibits, either elaborating videos, installations or interactive pieces. As professors, both maintain a relation of proximity and exchange with young people interested in arts and coordinate the Image Technology Hub at Universidade Federal do Rio de Janeiro (N-imagem).

André Parente has published books which are now reference in the field of cinema and new medias: Imagem e máquina (1993) and
Narrativa e modernidade (2005), among others; Katia Maciel, for her turn, has  published the book Transcinemas (2009), which brings together several authors dealing with the problems of new forms of reception and audience participation which are redesigning traditional cinema. Some artists term these forms “cinema of the future”. Other authors refer to the same as expanded cinema or post-cinemas. 
Since the turn of the millennium, several Brazilian artists have developed software and devices which broaden filmic possibilities and fuse cinema and video. Other than Katia Maciel and André Parente, artists such as Giselle Beiguelman, Lucas Bambozzi, Rejane Cantoni and Leo Crescenti, Daniela Kutschat and others of newer generations lead significant researches on devices, including Internet-based ones. 
Transcinema is the term Katia Maciel has created to define the expansion of classic film devices, so the pieces accrue new layers of technology, opening up a wide field of possibilities and variations that confer to cinema an interactive quality. From the international art circuit, Katia has observed experiences developed by experimental filmmakers and artists such as Jeffrey Shaw and Michael Snow. From Brazilian Art, she has extracted conceptual experiences that have involved audience participation and marked local conceptual art from the 1970s onwards.

The experiments developed by artists such as Hélio Oiticica and Arthur Barrio in the 1960s and 1970s have been an object of study for Katia. A profound knowledge of Oiticica’s work, especially when it comes to the researches that led him to make the “quasi-cinemas”, which proposed immersion and audience participation, compelled Katia to craft her own image-relations, which presuppose bodily and mental involvement on the part of the visitor immersed in the installation. 

Katia and André Parente work precisely on the point of convergence of complex operations involving cinema, literature, video and visual artists. They create interactivity devices that challenge the spectator to become a participant. It couldn’t have been otherwise, since the artists have dedicated themselves so extensively to the study of a strain of art history that involves experiences in traditional film and Modernist experiences, particularly Surrealism and Dadaism, traversing evolutions in the domain of performance arts and urban interventions from groups such as Fluxus, in the late 1950s and the 1960s, not to mention the Brazilian artists we have already cited. 
Their work immediately places us face-to-face with some of the struggles and tensions typical of the 21th century. The first one is whether art can still be considered a possible space for the laying of expression. And freedom; next, if it can be understood as game, capable of operating transformations in us, by transporting us to mythic, dream-like or fictional universes. Yet another struggle has to do with the problem of the passing of time, that is, the friction between each person’s inner stopwatch and the compression of entropic global time. In this sense, they inquire what contracts can we still propose to time, when this inner time-measuring leads us to an ontological density which inscribed into the pieces aspects relating to the fabric of new subjectivities arising in the 21th century.

Daniela Bousso is a curator and art critic.